A Importância da Precisão na Perícia Judicial e a Delimitação Clara da Atuação Pericial

Em um cenário onde a renegociação de dívidas, a reestruturação financeira, o cálculo de contratos e a análise das taxas de juros são temas recorrentes, a precisão é a melhor aliada do perito judicial.

Fernando Oliveira

3/20/20255 min read

A Importância da Precisão na Perícia Judicial e a Delimitação Clara da Atuação Pericial

A perícia judicial na área econômico-financeira exige um nível elevado de precisão técnica e metodológica. Um erro na interpretação dos quesitos, uma análise superficial dos documentos ou uma delimitação mal feita dos pontos controversos pode comprometer todo o trabalho pericial e, pior, influenciar indevidamente o julgamento do processo. Por isso, é fundamental que o perito compreenda exatamente o que está sendo pedido antes de iniciar qualquer cálculo ou análise.

Neste artigo, vou abordar a importância de entender o processo judicial antes de começar a perícia, como delimitar corretamente os pontos controversos e como responder aos quesitos com base em evidências concretas, garantindo um trabalho técnico, bem embasado e imparcial.

Antes de Iniciar a Perícia: O Perito Precisa Entender o Processo

O primeiro erro que um perito pode cometer é começar os cálculos sem ter plena compreensão do processo. O laudo pericial não deve ser um simples levantamento numérico, mas uma resposta técnica a uma demanda jurídica específica. Para isso, antes de qualquer coisa, o perito deve analisar minuciosamente os autos, identificar os aspectos controversos e entender as decisões já tomadas pelo juízo.

Muitas vezes, as partes tentam induzir o perito a extrapolar sua atuação, solicitando análises que fogem ao escopo da perícia. Isso pode gerar nulidade no laudo e colocar em risco a credibilidade do trabalho pericial. Um exemplo claro disso pode ser visto na seguinte transcrição processual:

"Sem adentrar no mérito da legalidade das taxas pactuadas, em razão do rito aqui adotado, o que deve ser avaliado, para julgamento das contas, é se esses descontos observaram o contrato original firmado entre as partes. Desta forma, a prova pericial produzida no feito não atestou a regularidade das duas taxas à luz do contrato de adesão firmado entre as partes."

Esse trecho evidencia um ponto crucial: a perícia não deve extrapolar a sua função e analisar a legalidade das taxas pactuadas, pois essa não é sua competência. O foco deve ser verificar se os valores cobrados respeitam os termos do contrato firmado.

Definir Claramente os Pontos Controversos

Depois de entender o processo e identificar os pedidos do juízo, o próximo passo é delimitar corretamente os pontos controversos. Uma perícia mal delimitada pode gerar impugnações desnecessárias, retrabalho e perda de tempo. O ideal é que o perito estruture sua atuação com base em três perguntas fundamentais:

  1. O que exatamente foi solicitado na decisão que determinou a perícia?

  2. Quais são os quesitos formulados pelas partes e pelo juízo?

  3. Há algum precedente ou decisão anterior que afete a forma como os cálculos devem ser realizados?

Um caso emblemático ilustra bem esse ponto:

"O perito nomeado pelo juízo confirmou a ausência de contratação dos serviços de antecipação de recebíveis e, quanto à taxa MDR, apurou também a ausência de evidência de contratação. Diante disto, o perito expurgou a taxa de antecipação de recebíveis e, em se tratando a taxa MDR de taxa de administração, refez o cálculo de acordo com a média de mercado."

Aqui, o perito identificou corretamente que a questão controversa envolvia a ausência de contratação de determinadas taxas. O foco da perícia foi verificar se havia evidências de pactuação e, na ausência delas, expurgar os valores indevidos. O laudo foi objetivo, técnico e embasado em fatos concretos.

A Importância de Responder aos Quesitos de Forma Técnica e Imparcial

Os quesitos apresentados pelas partes muitas vezes trazem questões que podem parecer simples, mas que exigem um rigor técnico para serem respondidas. Uma resposta mal fundamentada pode levar a impugnações e questionamentos sobre a idoneidade do laudo. Portanto, é essencial que o perito:

  • Fundamente cada resposta com base nos documentos apresentados nos autos;

  • Utilize referências normativas e jurisprudenciais quando necessário;

  • Evite interpretações subjetivas ou especulativas.

Veja um exemplo de como a correta fundamentação técnica fortalece a validade da perícia:

"Os cálculos realizados pelo perito observam corretamente as premissas estabelecidas no processo, especialmente no que se refere à aplicação da taxa média de juros divulgada pelo Banco Central (Bacen) e a devida atualização monetária com base no INPC, conforme acordado na sentença e Acórdão."

Ao indicar que utilizou taxas oficiais do Bacen e critérios definidos na decisão judicial, o perito deixa claro que seu trabalho segue parâmetros objetivos, reduzindo as chances de contestação.

Os quesitos são os principais direcionadores da perícia. A resposta a eles deve ser objetiva, sem opiniões pessoais e sempre fundamentada em cálculos e legislação aplicável.

Erros na interpretação dos quesitos ou respostas vagas podem resultar em impugnações. Para evitar isso, siga um método estruturado:

  • Leia atentamente cada quesito.

  • Verifique se há informações nos autos que permitam respondê-lo corretamente.

  • Apresente o resultado dos cálculos de forma detalhada e explicativa.

  • Utilize referências normativas quando aplicável.

Como Lidar com Impugnações e Questionamentos

Mesmo com toda a cautela, é comum que as partes tentem impugnar o laudo. Muitas vezes, essas impugnações têm caráter meramente protelatório. Veja um exemplo real:

"No mov. XYZ.1 a Ré apresentou a sua 3ª contestação ao Laudo. Contudo, considerando que o Sr. Perito já apresentou 2 esclarecimentos de forma bastante técnica e aprofundada sobre os questionamentos da Ré, fica evidenciado que a contestação de mov. XYZ.1 possui apenas fins protelatórios, requentando argumentos que já foram rebatidos."

Nesse caso, fica claro que a parte contrária insistiu na contestação do laudo mesmo após esclarecimentos detalhados do perito. Quando isso ocorre, a melhor estratégia é manter a coerência, reafirmando os fundamentos técnicos utilizados e demonstrando que os argumentos já foram devidamente respondidos.

Conclusão: Precisão, Técnica e Imparcialidade São Fundamentais

A perícia judicial na área econômico-financeira exige atenção aos detalhes e uma atuação estritamente técnica. Para garantir um laudo sólido e reduzir riscos de impugnação, o perito deve:

  • Entender completamente o processo antes de iniciar qualquer cálculo;

  • Delimitar claramente os pontos controversos para evitar extrapolações indevidas;

  • Responder aos quesitos de forma objetiva, técnica e embasada;

  • Se preparar para eventuais impugnações e manter a coerência nas respostas.

Ao seguir esses princípios, o perito consolida sua credibilidade, entrega um trabalho de qualidade e contribui efetivamente para a solução do litígio.  Afinal, o objetivo da perícia técnica é oferecer um laudo que auxilie na resolução da lide, sem gerar mais questionamentos do que aqueles já existentes no processo:

"O banco informa que está de acordo com os cálculos apresentados pelo perito. Os cálculos realizados estão corretos e condizem com os parâmetros estabelecidos.  O perito também tomou o devido cuidado ao considerar os ajustes das tarifas aplicadas, incluindo a ajustagem à média de mercado, o que assegura que as diferenças apuradas são justas e refletidas corretamente."

Em um cenário onde a renegociação de dívidas, a reestruturação financeira, o cálculo de contratos e a análise das taxas de juros são temas recorrentes, a precisão é a melhor aliada do perito judicial. Afinal, um laudo bem feito não apenas auxilia a decisão judicial, mas também protege a reputação e a carreira do profissional.

Por isso, antes de começar qualquer perícia, o primeiro passo sempre será: entender o que está sendo pedido e fazer apenas o que foi determinado. Essa é a chave para um trabalho técnico, respeitado e irrefutável.